segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sufle de chuchu

Cronica de Luiz Fernando Verissimo



Sufle de chuchu



Houve uma grande comocao na casa com o primeiro telefonema de Duda, a pagar de Paris. Primeiro telefone desde que ela embarcara, mochila nas costas ( a Duda, que em casa nao levantava nem sua propria roupa do chao!) na varig, contra a vontade do pai e da mae. Voce nunca saiu de casa sozinha minha filha! Voce nao fala uma palavra em frances! Vou e pronto. E fora. E agora depois de semanas de aflicao, de "onde anda essa menina?" de " Voce noa deveria ter deixado, Eurico!" , vinha o primeiro sinal de vida, da Duda de Paris.

-Minha filha...

- Nao posso falar muito, mae. Como e que se faz cafe?

- o que?

-Cafe, cafe. Como e que se faz?

- Nao sei minha filha. Com agua, com...mais onde e que voce esta Duda?

-Estou trabalhando de "au pair" num apartamento. Ih, nao posso falar mais.

Eles estao chegando. Depois eu ligo. Tchau!

O pai quiz saber detalhes. Onde ela esta morando?

- Falou alguma coisa sobre "oper".

- Deve ser "opera". O frances dela nao melhorou...

Dias depois outra ligacao. Apressada como a primeira. A Duda queria saber como se mudava fralda. Por um momento, a mae teve um pensamento louco. A Duda teve um filho de um frances! Nao, que bobagem, nao dava tempo.

Porque voce quer saber minha filha?

-Rapido mae. A crianca ta borrada!

Ninguem em casa podia imaginar a duda trocando fraldas. Ela, que tinha nojo quando o irmao menor espirrava.

- Pobre crianca... comentou o pai.

Finalmente um telefonema sem pressa da Duda. Os patroes tinham saido, o cagao estava dormindo, ela podia contar o que estava acontecendo. "Au pair" era empregada, faz-tudo. E ela fazia tudo na casa. a principio tivera dificuldades com os aparelhos. Nunca notara antes, por exemplo, que o aspirador de po precisava ser ligado numa tomada. Mas agora estava uma oper "formidable". e Duda enfatizara a pronuncia francesa. "Formidable". Os patroes a adoravam. E ela prometera que na proxima semana prepararia uma autentica feijoada brasileira pra eles e alguns amigos.

- Mas Duda, voce sabe fazer feijoada?

- Era sobre isso que eu queria falar com voce mae. pra comecar como e que se faz arroz?

A mae mal pode esperar o telefonema que a Duda prometera, no dia seguinte ao da feijoada.

- Como foi minha filha? Conta!

- Formidable! Um sucesso. Para o proximo jantar vou preparar aquela sua moqueca.

- Pegue o peixe... comecou a mae, animadissima.

A moqueca tambem foi um sucesso. Duda contou que uma das amigas de sua patroa. foi atras dela, na cozinha, e cochichara uma proposta no seu ouvido: O dobro do que ela ganhava ali, pra ser oper, na sua casa. Pelo menos fora isso que ela entendera. Mais Duda nao pretendia deixar seus patroes. Eles eram uns amores. Iam ajuda-la a regularizar sua situacao na Franca.

Daquele jeito, disse Duda a sua mae, ela tao cedo nao voltava ao Brasil.

E preciso compreender, portanto, o que se passara no coracao da mae quando Duda telefonou para saber como era a sua receita de sufle de chuchu. quase nao usavam o chuchu na Franca, e a Duda dissera a seus patroes que sufle de chuchu, era um prato tipico brasileiro e sua receita era passada de geracao para geracao, na floresta onde o chuchu, inclusive, era considerado afrodisiaco. Coracao de mae e um pouco como as Caraibas.

Ventos se cruzam, correntes se chocam, e uma aera de tumultos naturais. A propria dona daquele coracao, nao saberia descrever os impulsos que o percorreram nos segundos que procedeu sua decisao de dar a filha a receita errada, a receita de um fracasso. De um lado o desejo que a filha fizesse bonito, e tambem - porque nao admitir? - uma certa curiosidade da repercursao do seu sufle de chuchu na terra, afinal, dos sufles, do outro o medo de que a filha nunca mais voltasse, que a Duda se consagrasse a melhor oper da europa e nunca mais voltasse. Todo destino num sufle.
a mae deu a receita errada. Com o coracao apertado. Proporcoes grotescamentes erradas. A receita de uma bomba.
Passaram se dias, semanas, sme noticias da Duda. A mae imaginado o pior. Casais intoxicados. Jantar em Paris acaba no hospital. brasileira presa. Prato selvagem, enluta familias, receita infernal atribuida a mae de trabalhadora clandestina, Interpol mobilizada. Ou imaginado a chegada da Duda em casa, desiludida com sua aventura parisiense, sua carreira de oper encerrada sem gloria, mais pronta pra tentar mais uma vez o vestibular.
O que veio foi outro telefonema da Duda, um mes depois, Apressada denovo, no fundo, o som de bongos e maracas.
- Mae, pergunta pro pai como e a letra de cubanaca!
- Minha filha...
- Pergunta, e do tempo dele. Rapido que eu preciso pro meu numero.
Tambem ouve um certo conflito no coracao do pai, quando ouviu a pergunta. Arra, ela sempre fizera pouco do seu gosto musical e agora precisava dele. Mais o segundo impluso venceu:
- Diz pra essa menina voltar pra casa. Ja!


Essa menina ai a Duda, te lembra alguem???
rsrsrs

3 comentários: